sábado, 26 de novembro de 2016

CALOU-SE O COMANDANTE

          Paulo Whitacher - Reuters. dez/2002
     Das ruínas do socialismo sobrou o sorriso do mais carismático de seus líderes e, sem dúvidas, uma das personalidades mais amadas e odiadas da segunda metade do século XX. Fidel Alejandro Castro Ruz morreu na madrugada deste sábado, aos 90 anos, sem sua Cuba.
   A geração que começou a tentar entender alguma coisa no final dos anos 70 e início dos 80, foi apresentada ao “comandante” pelo jornalista e escritor Fernando Moraes, com o seu livro “A Ilha”. Apesar de apontar avanços e problemas na pequena ilha do Caribe, que àquela época contava com menos de  três décadas de governo revolucionário, aquele quadro de analfabetismo zero e acesso de todos à saúde, encantou os jovens que ainda sonhavam transformar o mundo  numa sociedade só de iguais.
    Mais que isso, a mim particularmente encantava como uma pequena ilha distante 165 km de (Key West,em Miami, Flórida), enfrentava — com êxito — a maior potência militar do Planeta. A proximidade é tanta, que os cubanos dizem, talvez com uma dose de exagero, que do Malecon (dique que protege o centro da capital da Baía dos Porcos), é possível avistar as luzes de Miami em noites de lua nova.
   Exagero ou não, Cuba esteve na mira e nos calcanhares dos norte-americanos desde que Fidel e seus companheiros desceram a Sierra Maestra para derrubar o ditador Fulgencio Batista; depois de virem do México a bordo do legendário “Il Granma”, pequeno barco que virou monumento público numa praça de Havana. Inúmeras foram as tentativas eliminar Fidel, ou tomar mesmo o país, como tentou o não menos legendário (talvez injustificadamente) Kennedy, com a frustrada tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em torno da qual se situa Havana.
Meses depois, Cuba foi o centro do mundo e o estopim de uma quase-guerra total, quando o líder soviético Nikita Kruschev mandou instalar mísseis no interior da ilha e apontados diretamente para os EUA. A crise ficou conhecida como “os treze dias que abalaram o mundo”  e contornada pela diplomacia K&K (Kennedy-Kruschev).
  Na verdade, no ápice da Guerra Fria, Cuba era a ponta de lança dos soviéticos, que trocavam petróleo pelo açúcar e mantinha uma economia artificial financiando um meio-socialismo que alguns críticos apontam como marketing de um sistema que já se mostrava impossível.
Em 1991 estive em Cuba em visita oficial acompanhando o então prefeito Anthony Garotinho, de quem era secretário de Comunicação. Cheguei ao aeroporto José Marti (um pouco maior que o nosso Bartholomeu Lysandro) com sonhos e ilusões numa pequena mala.De fato, durante uma semana, vi boas escolas e avanços na área de saúde preventiva e pesquisas científicas, mas também algumas decepções: vigilância exacerbada, mendicância no coração da Havana Velha, serviços públicos (todos os serviços na época eram públicos) muito deficientes e o pior: o comandante estava inacessível em uma de suas muitas casas onde se escondia quando estava sujeito a atentados reais ou fictícios. Naquela semana de 1991, quatro opositores do regime tinham sido fuzilados no paredão.
   Sim, Cuba, a romântica ilha que ainda guarda no Restaurante Floridita a mesa onde Ernest Hemingway tomava seus daiquiris, a Cuba livre de nossos sonhos e da ternura que não se perderia jamais, era sim, uma ditadura com seus esqueletos, como qualquer outra.
  Ausente do poder há quase uma década por causa de doença e com o poder repassado ao irmão Raul, Fidel já tinha virado lenda em vida e caberá a história julgar seu legado.

(Ricardo André Vasconcelos)

Atualização: para correção de digitação às 21h50