quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O QUE ESPERAR DO GAROTINHO PÓS-BANGU?

       
     A prisão preventiva,como o próprio nome induz, ocorre antes do julgamento e precisa estar fundamentada nos requisitos legais como risco à ordem pública e para garantia da instrução do processo, por exemplo. Portanto, não só a conhecida  boa vontade do presidente do TSE com os políticos, mas também o próprio estágio do processo indicava a possibilidade da concessão da liberdade ao ex-governador Garotinho, assim como a todos os presos na "operação Caixa D´água". Não foi surpresa, pois, a liminar concedida no habeas corpus assinado na noite de hoje pelo ministro Gilmar Mendes.
     A decisão, contudo, não altera em nada o curso do processo na 98ª Zona Eleitoral de Campos,que decretou as prisões.Até mesmo porque nenhum dos réus foi sequer ouvido em Juízo e nem as testemunhas, cuja oitiva seria na última segunda-feira e foi  adiada para janeiro. Em tese, a regra é que a prisão ocorra após a condenação, seja após o trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso),ou após confirmação em segunda instância, conforme entendimento provisório do Supremo Tribunal Federal (STF).Digo provisório porque a decisão foi tomada recentemente por 6 votos a 5 e vários ministros quando em decisão monocrática estão negando a prisão antes do trânsito em julgado.
     A situação de Garotinho, Rosinha e os outros implicados no caso é grave. A acusação é de extorsão para angariar fundos para campanha eleitoral utilizando a máquina da Prefeitura de Campos, onde ele era secretário e prefeito de fato e a mulher prefeita de direito. O processo conta com colaboração premiada de um dos empresários que mais contratos tinha com o poder público local, nota fiscal fria para encobrir repasse de R$ 3 milhões da JBS para a campanha de Garotinho ao Governo do Estado em 2014 (veja mais detalhes aqui).
     Fora da cadeia onde passou quase 30 dias depois de duas prisões abortadas (estas no caso do processo para compra de votos para a eleição de 2016  - "Operação Chequinho"),o que esperar do comportamento de Garotinho? Vai manter a estratégia da vitimização e o lenga-lenga da vingança dos poderosos que ele ajudou a mandar para a cadeia, ou estará mais calejado pelas agruras do cárcere e vai se dedicar a provar eventual inocência dentro de um processo equilibrado, sem delírios persecutórios?
  Meu palpite: Nesta quinta-feira mesmo, ou no máximo no dia seguinte, vai estar brandindo contra todos como se fosse o único santo sobre a face da terra. 
    É só esperar.
  

DECISÃO DE GILMAR REVOGA PRISÃO DE GAROTINHO. NÃO VAI USAR NEM TORNOZELEIRA ELETRÔNICA



A decisão do ministro Gilmar Mendes, que mandou soltar o ex-governador Anthony Garotinho, na íntegra. Ele deve deixar o presídio de Bangu 8 na tarde desta quinta-feira, de acordo com informação postada agora há pouco no Blog do Garotinho (aqui). Detalhe: a decisão de Gilmar foi tomada no primeiro dia do recesso judiciário porque ele é presidente da Corte e responsável pelo plantão e revoga o decreto de prisão preventiva, ou seja, Garotinho não precisará usar tornozeleira eletrônica como a mulher, Rosinha, que teve sua prisão preventiva convertida em medidas cautelares pelo TRE.

A decisão:

RECURSO ORDINÁRIO NO HABEAS CORPUS Nº 0600186-44.2017.6.19.0000 – CLASSE 1344 – CAMPOS DOS GOYTACAZES – RIO DE JANEIRO

Relator: Ministro Jorge Mussi
Paciente: Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira
Advogados: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outros


DECISÃO

1.                     Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido de medida liminar, interposto do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro exarado nos autos do HC nº 0600186-44, que manteve a prisão preventiva do ora paciente nos autos da Ação Penal nº 12-81/RJ.

Nas razões deste pedido de medida liminar, o recorrente narra:

a) “está fundamentado em duas premissas largamente explicitadas no bojo do Recurso Ordinário, quais sejam: (i) a flagrante incompetência da Justiça Eleitoral para processar e julgar o feito originário, com pedido de suspensão imediata da ação penal; e (ii) a completa ilegalidade e desnecessidade da prisão preventiva imposta ao Recorrente, cujo decreto de prisão já foi inclusive reconhecido como ilegal pelo Exmo. Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 151.403, do STF, em favor de corréu” (fl. 1);

b) na linha do voto por mim proferido nos autos do REspe nº 75-08.2016.6.24.0000, pelo trancamento da ação penal, o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral tem caráter subsidiário, funcionando como um “soldado de reserva”, devendo ser aplicado apenas quando ausente norma mais grave, o que não ocorreu na espécie, já que o impetrante está respondendo por crimes mais graves (arts. 154 e 317 do CP), o que afasta a competência desta especializada;

c) tanto o decreto de prisão originariamente coator quanto o acórdão recorrido deixaram de citar a possibilidade de aplicação das medidas alternativas do art. 319 do CPP, de modo que se apresentam contrários à ordem legal estabelecida;

d) a fundamentação da prisão está calcada em um fato claramente atípico, consubstanciado em falsa acusação de extorsão, já que “sequer o próprio colaborador André Luis afirma ter sido ameaçado” (fl. 4);

e) demais disso, “este ato teria sido supostamente cometido por terceiro, e na prática não constitui qualquer ameaça, segundo o próprio depoimento que fundamenta a imputação [...], [de modo que consiste em] uma clara tentativa de distorção da realidade, tentando fazer com que o Poder Judiciário balize uma narrativa criada, que sobremaneira vai de encontro aos próprios depoimentos que motivaram a prisão preventiva” (fl. 4 – grifos no original);

f) a fundamentação da prisão preventiva não promove a individualização da alegada participação de todos os réus, limitando-se a consignar que “em uma [suposta] organização criminosa, não é possível separar condutas entre os integrantes” (fl. 4);

g) tal ato coator já foi objeto de apreciação pelo STF, nos autos do HC 151403, no qual se “reconheceu a arbitrariedade e a desfundamentação do decreto prisional, e concedeu medida liminar para revogar a prisão preventiva do corréu Fabiano Rosas Alonso, em superação à Súmula nº 691 do Supremo Tribunal” (fls. 4-5).

No tocante ao periculum in mora, afirma consistir na proximidade da audiência de instrução e julgamento do feito originário, designada para 10.1.2018, “a despeito de prazo aberto para Resposta à Acusação de alguns réus, pelo menos, até o dia 17 de janeiro, justificando-se por completo a suspensão da referida ação penal, com cessação dos efeitos da decisão que decretou as prisões preventivas de todos os réus” (fl. 3).

Requer, por fim, “a urgente apreciação do pedido liminar do Recurso Ordinário, para, em caráter de subsidiariedade: (i) suspender a ação penal nº 12-81.2017.6.19.0098, em trâmite perante a 98ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes/RJ, em razão da flagrante incompetência da Justiça Eleitoral, suspendendo-se, também, o efeito da decisão que, de maneira absolutamente desfundamentada, decretou a prisão preventiva de todos os réus; ou (ii) revogar a prisão preventiva do Recorrente, consubstanciado em todos os fatos e fundamentos expostos, tanto no bojo do Recurso quanto na presente petição, e em consonância com a liminar do Exmo. Ministro Dias Toffoli nos autos do HC 151.403 do STF, onde claramente reconheceu a ilegalidade do decreto prisional originário, que ordenou a segregação de todos os réus” (fl. 5 – grifos no original).

Decido.

2.                    Neste juízo provisório, não verifico a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Quanto à garantia da ordem pública, o Regional consigna:

Cabe aqui trazer à colação trecho da decisão ora impugnada a qual se refere aos depoimentos prestados pela testemunha Ricardo Saud:

“Relata a testemunha que, diante da insistência do réu Antônio Carlos Rodrigues e do problema causado pelo réu Anthony Garotinho, ficou estabelecido que a JBS faria uma doação via “caixa 2” para o segundo no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), e que Fabiano Alonso, genro do réu Antônio Rodrigues, ficaria responsável por operacionalizar o repasse da propina, mediante envio de uma nota fiscal fria para uma empresa de acordo com o que foi acordado entre Fabiano Alonso e o grupo da ORCRIM, liderado pelo réu Anthony Garotinho.”

A decisão faz minuciosa referência à prova documental, que imputa ao réu, ora paciente, graves condutas. Senão vejamos:

“Não bastassem os numerosos e esclarecedores depoimentos, os fatos narrados pelo colaborador e demais testemunhas são também corroborados por farta documentação, podendo-se citar os documentos de fl. 73/94, referentes a e-mails de negociações entre a JBS e a empresa OceanLink para formalização do contrato simulado a fim de favorecer o réu Anthony Garotinho com o depósito da quantia em torno de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) para sua campanha eleitoral ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ressalto ainda a nota fiscal relativa ao contrato e seu pagamento, constante de fl. 40, bem como o referido contrato ideologicamente falso, constante de fls. 41/51.”

Nesse ponto, cabe trazer à colação trecho da decisão ora impugnada a qual se refere aos depoimentos prestados pelo colaborador André Luiz antes de firmar o termo de colaboração:

“À fl. 208, retira-se o seguinte trecho, verbis: ‘que segundo Thiago Godoy, o reinquirido devia pagamento de contribuições por faturas que haviam sido pagas a Working; que essas contribuições funcionavam como condição para o recebimento de créditos contratuais com a PMCG; que Thiago Godoy disse que para liberar os pagamentos da Working, o reinquirido, deveria pagar cerca de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais); que Thiago Godoy disse que ‘o chefe’ precisava desses recursos para ‘dar seguimento ao projeto político’; que ‘o chefe’ referido por Thiago Godoy é Anthony Garotinho. Ressalte-se que o colaborador André Luiz também é proprietário da empresa Working acima referida”.

“Já às fl. 210, o colaborador esclarece que por conta do acordado com os réus Thiago Godoy e Antônio Carlos Ribeiro, vulgo Toninho, a Prefeitura de Campos pagou a Working o valor de R$ 2.372.445,48 (dois milhões, trezentos e setenta e dois mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e quarenta e oito centavos), em três prestações e que para cumprir sua parte no acordo, sacou R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em duas parcelas que foram entregues diretamente a Toninho, em frente a sua residência e dentro do carro daquele. Como já salientei acima, as declarações externadas pelo colaborador em três oportunidades foram corroboradas por vasta prova documental e oral, e diante da robustez do contexto probatório, bem como preenchidos todos os requisitos da Lei nº 12.850/13, foi prolatada a decisão de fl. 306/309 homologando o acordo de colaboração premiada adunado aos autos às fl. 248/252.”

Como se observa, nesta primeira parte da decisão, o TRE simplesmente relata o modus operandi dos alegados crimes praticados (art. 350 do Código Eleitoral – organização criminosa, corrupção passiva, extorsão e lavagem de dinheiro), sem indicar, concretamente, nenhuma conduta atual do paciente que revele, minimamente, a tentativa de afrontar a garantia da ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal.

Na verdade, o decreto de prisão preventiva, assim como o acórdão regional, busca o que ocorrido no passado (eleições de 2014) para, genericamente, concluir que o paciente em liberdade poderá praticar novos crimes, o que, a meu ver, trata-se de ilação incompatível com a regra constitucional da liberdade de ir e vir de cada cidadão, em decorrência lógica da presunção de inocência. Na sempre preciosa lição do Ministro Sepúlveda Pertence, a “necessidade da prisão preventiva há de partir de fatos concretos, não de temores ou suposições abstratas. Inidoneidade, no caso, da motivação da necessidade da prisão preventiva, que, despida de qualquer base empírica e concreta, busca amparar-se em juízos subjetivos de valor acerca do poder de intimidação de um dos acusados e menções difusas a antecedentes de violência, que nenhum deles se identifica” (RHC 83179/PE, julgado em 1º.7.2003 – grifos nossos).

A propósito, o Ministro Dias Toffoli, ao apreciar o pedido de medida liminar nos autos do HC 151403/RJ, que envolve corréu da mesma ação penal, concluiu pela superação da Súmula nº 691/STF e assentou:

Como visto o decreto prisional foi embasado na garantia da ordem pública e da instrução criminal, em face da necessidade se interromper a atividade criminosa e de se obstar eventual interferência na instrução do processo.
Esses fundamentos, neste primeiro exame, não podem subsistir em relação ao paciente.
Não se apega a reprovabilidade das condutas supostamente a jurisprudência consolidada da Corte assentou que a idoneidade do decreto de custódia cautelar reclama fundamentação com lastro em elementos concretos para justificá-los.
(...)
Destaque-se, ainda, que por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar (v.g. HC nº 127.186/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro Teori Zavaski, DJe de 3//8/15).
Na espécie, o decreto prisional, no tocante à garantia da ordem pública, em face da necessidade de se interromper a atividade criminosa, não indicou elementos concretos e individualizados em relação ao paciente, aptos a demonstrar a necessidade de medida extrema, já que os fatos a ele imputados como visto, remontam ao ano de 2014, havendo, portanto, considerável espaço de tempo entre a sua decretação (17/11/17) e a intercorrência apontada. (Grifos nossos)

No que tange à garantia da instrução criminal, o Regional afirma:

A decisão proferida pelo magistrado da 98º Zona Eleitoral aborda precisamente este aspecto. Senão vejamos:

“Com suas atividades contínuas, os réus demonstram e acreditam que seus poderes estão acima da lei e da ordem, restando evidente que os mesmos exercem poder intimidativo sobre pessoas comuns e empresários, especialmente aquelas que estão envolvidas nos fatos ora objeto de cognição e que estão demonstrados no inquérito policial federal, razão pela qual é preciso resguardar a integridade física e mental do colaborador e demais testemunhas, assim como se faz imprescindível garantir a ordem pública, extirpando-se as práticas criminosas da ORCRIM, evitando-se a continuidade das atividades ilícitas com vistas a fraudar o processo seletivo eleitoral com o uso do inegável poder econômico obtido com recursos ilícitos.”
(...)

Em remate, para que não paire dúvidas sobre o efetivo dano potencial à instrução criminal decorrente de práticas hostis empreendidas pelo grupo criminoso, destaco excerto da decisão que descreve a coação sofrida pelo colaborador:

“Convém salientar que o colaborador André Luiz vem sendo constantemente assediado pelo réu Suledil Bernardino com intuito de sondar o colaborador e pressioná-lo a fim de que os fatos criminosos não viessem à tona. Neste ponto transcrevo o seguinte trecho do depoimento prestado pelo colaborador e constante de fl. 218, in verbis: ‘que essa intenção de Suledil Bernardinio ficou bastante claro para o reinquirido pela maneira como ele conduziu o diálogo, uma vez que frequentemente perguntava ao reinquirido sobre ‘como estava’, ‘se estava tudo bem’, ‘sobre como estava sua relação com o Governo atual’, ‘se estava tranquilo’, dentre outros questionamentos, feitos com o nítido propósito de perquerir o estado anímico e emocional do reinquirido.’”

A suposta ameaça teria como objetivo impedir a colaboração de André Luiz. Contudo, além de a colaboração ter sido realizada, não há menção ao nome do paciente na tentativa de impedir a instrução criminal. Some-se a isso a circunstância de que o colaborador André Luiz afirmou que não se sentiu ameaçado com a pergunta “se a família dele está bem”. Não há, portanto, indicação de nenhum ato concreto e atual praticado pelo paciente com o intuito de fragilizar a instrução criminal.

De fato, a prisão preventiva, enquanto mitigação da regra da presunção de inocência, exige fundamentação idônea, respaldada em motivos cautelares concretamente verificados e contemporâneos ao ato, demonstrando a inevitável necessidade de ser utilizada em detrimento de outras medidas cautelares diversas da prisão.

Conforme nos ensina o Ministro Celso de Mello, “a motivação há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta (ou que mantém) o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas ‘a posteriori’” (HC 98821/CE, Segunda Turma, julgado em 9.3.2010 – grifos nossos).

Nesse sentido, a decisão do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal em relação ao corréu.

Por outro lado, neste juízo cautelar, tenho afirmado que a suposta arrecadação de recurso e gastos de campanha, não informados em prestação de contas de candidato, pode não encontrar subsunção no art. 350 do Código Eleitoral. De fato, referido tipo exige dolo específico, ou seja, a deliberada intenção de falsificar o conteúdo de documento público ou particular a respeito de algum fato relevante do ponto de vista jurídico, com aptidão de produzir efeito eleitoral (cf. o REspe nº 2675-60/RS).

Como se sabe, a prestação de contas consubstancia um procedimento previsto em lei para conferir maior transparência e lisura às eleições. Importante elemento teleológico permeia esse procedimento: o de impedir ou evitar o abuso do poder econômico, de modo a assegurar a paridade entre os candidatos concorrentes e resguardar, em última análise, a liberdade do sufrágio.

Por outro lado, o candidato que arrecada recursos de campanha, provenientes seja de caixa dois, seja de propina, seja originário de algum outro crime, ou seja simplesmente de doador que prefere manter-se oculto, não os leva a registro na prestação de contas justamente para ocultar violação de regra penal anterior, para a qual tenha ou não concorrido.

Dessa forma, nessa situação específica, de eventual abuso do poder econômico durante campanha eleitoral, em que pode ser justaposto algum crime (fiscal, de lavagem de dinheiro ou de corrupção), não deve ser resolvida pela singela aplicação do art. 350 do Código Eleitoral, sem maiores indagações, como se fosse verdadeira panaceia.

Com efeito, na hipótese de omissão de recursos em procedimento de prestação de contas, a conduta normalmente está a revelar mero exaurimento de crime anterior, do qual a eventual participação do candidato deveria ser investigada havendo indícios de autoria. É dizer: referida conduta omissiva seria então um post factum impunível, ou comportamento a ser analisado sob a ótica do princípio da subsidiariedade, razão pela qual o art. 350 do Código Eleitoral funcionaria como “soldado de reserva”, ou seja, somente teria aplicação nas hipóteses de não ocorrência de um delito mais grave.

No entanto, a complexidade do tema não se coaduna com via sumária da liminar em habeas corpus, mas deve ser detidamente analisada pelo juízo competente no julgamento de mérito da ação penal, mormente quando se verifica que, no caso concreto, a própria denúncia justamente narra crimes mais graves praticados de forma antecedente.

3.                     Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar para suspender o decreto de prisão preventiva expedido contra o ora paciente nos autos da Ação Penal nº 12-81/RJ, que tramita na 98ª Zona Eleitoral de Campos dos Goytacazes/RJ.

                        Comunique-se e cumpra-se, com urgência.

                        Publique-se.
                       
                        Brasília, 20 de dezembro de 2017.



Ministro GILMAR MENDES

Presidente

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

NOVO PRESIDENTE DO TRE-RJ TOMA POSSE DIA 5


Desembargador Carlos Santos de Oliveira
Desembargador Fonseca Passos



Do portal do TRE-RJ (aqui):

Na próxima terça-feira (5), o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) dará posse a seu novo presidente, que comandará a Justiça Eleitoral fluminense nas eleições gerais de 2018. O novo presidente será escolhido pelo Plenário do TRE-RJ, na mesma sessão, entre os dois desembargadores estaduais titulares: o vice-presidente e corregedor do TRE-RJ, desembargador Carlos Eduardo da Rosa Fonseca Passos, e o desembargador Carlos Santos de Oliveira, que tomará posse como membro na ocasião. A cerimônia será às 17h, no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado (TJRJ), na Av. Erasmo Braga 115, Lâmina I, 10º andar.

domingo, 12 de novembro de 2017

DO CHINELINHO AO XILINDRÓ

Publicado no Blog Opiniões em 08/11/207 (aqui):

Luislinda Volois, ministra dos Direitos Humanos

Só mesmo um governo que tem índice de aprovação do mesmo nível de margem de erro pode ignorar deslizes, desvios e outras traquinagens de seus ministros sem sequer uma leve admoestação de quem quer que seja. Simplesmente porque não há quem tenha autoridade moral para tal. O exemplo começa com o Chefe do Governo, que comprou o restinho de mandato por algo em torno de R$ 20 bilhões em emendas, cargos e outras benesses inconfessáveis e tornou-se refém de uma base aliada que representa a mais fina flor do fisiologismo pluripartidário. Alguém já disse, com propriedade, que não é o presidente que tem uma base, é a base que é “dona” de um presidente. Denunciado pela Procuradoria Geral da República, duas vezes, por corrupção passiva e organização criminosa, o presidente da República conseguiu a proeza de arquivar as denúncias com o apoio de 263 e 251 votos, respectivamente.
O presidente com o maior índice de rejeição entre os líderes mundiais tem mais da metade do ministério investigado, citado ou delatado na Operação lava Jato, incluindo seus mais íntimos — Moreira Franco e Eliseu Padilha — parceiros na quadrilha da denúncia da PGR e momentaneamente arquivada pelos deputados. A partir de 01 de janeiro de 2019 os três serão processados como cidadãos, se estiverem ao desabrigo da sombra benfazeja do foro privilegiado. Outros dois — Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha — já amargam cadeia. Geddel, aliás, foi ministro também no governo Lula e vice-presidente da Caixa na administração Dilma, mas com Temer, integrou o núcleo central do governo.
No último final de semana um escândalo internacional chamado de “paradise papers” envolveu os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Blairo Maggi (Agricultura) com fortunas depositadas em paraísos fiscais.
Só num ministério com essa folha corrida, figuras como Torquato Jardim e Luslinda Valois protagonizariam situações graves sem sequer serem investigados, enquanto deveriam gerar crises e até demissões. A declaração de Torquato, de que há uma sociedade entre deputados estaduais, comandos da PM e o crime organizado no Rio de Janeiro seria plenamente aceitável se não fosse a autoridade máxima da segurança, pois é o ministro da Justiça e Segurança Pública. Se tem provas do que disse deve mostrá-las à sociedade, se não tem, entregue o cargo. O que não pode é dizer que emitiu uma “opinião pessoal”, porque afinal não disse o que disse em conversa privada e sim para um grupo de jornalistas que o entrevistava.
Dona Luslinda, desembargadora aposentada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, com seu currículo que honra a história das mulheres, dos negros e da magistratura, caiu na asneira de pedir aumento de salário. Queria receber, além dos R$ 33,4 mil de seus proventos da aposentadoria, outros R$ 37 como ministra de Estado dos Direitos Humanos. Se justo for o pleito, o argumento beirou ao patético: quem ganha R$ 33,4 mil por mês se considerar escrava? Alegou que o salário não é suficiente para maquiagem, perfume, porque, afinal, como aposentada pode andar de chinelo, mas como ministra não.
A favor de si Dona Luslinda, um dos quatro nomes do PSDB no governo, tem a opção de calçar seu chinelinho e voltar para Salvador e gozar a merecida aposentadoria, enquanto para a maioria dos seus colegas — incluindo o chefe —, o risco é ir para o xilindró.

AFINAL,QUE MUNDO QUEREMOS?

Publicado no Blog Opiniões (aqui) em 25/10/2017 e na edição impressa da Folha da Manhã de 29/30 de outubro de 2017

Daqui a pouco o mundo onde nasceram as ideologias não existirá mais

É inevitável. Vem à boca um indisfarçável gosto de fracasso quando exposto à dicotomia ideológica sempre que instado a dar uma opinião ou ler/ouvir opinião alheia. Quase quatro décadas atrás, quando fui apresentado aos conceitos de ideologia política não tive dúvidas de que minha prática diária e meus sonhos se alinhavam com os ideais da Esquerda. Comida, escola, saúde, transporte, cultura e lazer para todos era o que já defendíamos quando o país era governado por uma ditadura civil-militar, seguindo o ideário de Direita, como em praticamente todo o Sul do Continente.
Assim como minha geração teve nos generais ditadores seu objeto de contestação materializada na censura, tortura, medo, e falta de liberdade, entendo o encantamento da geração atual com o ideário de Direita, porque o constestável que conheceram foi o governo do PT.  Apesar dos avanços na área social, o que restou do petismo foi a corrupção endêmica que parece ter causado nos jovens de hoje impacto tão devastador quanto à falta de liberdade no regime militar. Não que a corrupção seja uma invenção petista e que não existia na ditadura. Naquela época, as instituições estavam sob botas. Enquanto no contra a ditadura havia ímpeto para derrubá-la, o desencanto com a política leva, depois da apatia, a um caminho desconhecido.
Não comungo da simplificação típica dos tempos de facebuquização, mesmo porque Direita e Esquerda se subdividem em inúmeros matizes, nem todos justificáveis. A chamada Direita Liberal, que chega ao poder através do voto para desenvolver um governo baseado na livre iniciativa e consequente redução do Estado ao mínimo é tão respeitável quanto a Esquerda Democrática que implanta seu governo legitimado pelo voto, reservando ao Estado papel preponderante para promover o desenvolvimento social. A versão preocupante é a Direita xenófoba e ultranacionalista, representada no passado por gente como Hitler e agora por Donald Trump. Da mesma forma o é a Esquerda antidemocrática de Chávez-Maduro-Morales de hoje e de Stalin-Mao no século passado.
Beirando ao fim da segunda década do terceiro milênio, custa acreditar que a concentração de renda no Brasil ainda é uma das maiores do mundo: 27% de toda a renda nacional estão nas mãos de 1% da população mais rica. Nos Estados Unidos, 1% dos mais ricos tem 19,3% da renda do país. Alguma coisa continua fora da ordem. E não foi sem motivo que, o último dia 19, ninguém menos que George Bush, o filho — presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009 — veio a público proclamar que a democracia mundial corre risco. “A confiança nas instituições diminuiu. O sonho de subir na vida parece inalcançável para quem ficou para trás em uma economia que está mudando. A insatisfação aumentou e aprofundou os conflitos entre quem pensa de forma diferente. Existem sinais de que o apoio à própria democracia diminuiu, principalmente entre os jovens. Parece uma combinação de cansaço, desgaste e memória curta”, disse Bush, dando-nos no que pensar.
De volta ao Brasil, o gosto de fracasso que insiste na boca não é apenas pelo operário que virou presidente, gostou e tentou virar patrão, até mesmo porque vou continuar professando minha fé na educação e saúde públicas; contra a exploração do homem pelo homem e pela criação de oportunidades iguais para todas as pessoas. O fracasso é concluir que, dos ideais da Revolução Francesa (1789-1799), a Direita tenha escolhido a liberdade e a Esquerda, a igualdade. E quase dois séculos depois de exemplos de governos catastróficos em nome de uma ou de outra, ainda não evoluímos para incluir o terceiro pilar, a fraternidade, nessa equação.
Afinal, que mundo queremos?

NOSTALGIA DO OBSCURANTISMO

Publicado no Blog Opiniões (aqui) em 11/10/2017


“A criação do homem”, pintado por Michelangelo no teto da Capela Sistina (Vaticano), entre 1508 a 1512, mostra Adão nu, sendo tocado pelo Criador. A arte iluminando a humanidade que saía do obscurantismo da Idade Média

Num dos filmes do Superman o inesperado acontece: em meio a um terremoto causado pelo vilão Lex Luthor, a jornalista Lois Lene tem seu carro tragado por uma fenda que se abre na estrada e morre. No espanto do silêncio era possível ouvir a mais tênue respiração da plateia decepcionada que lotava o saudoso Cine Goitacá. Clark Kent, disfarce do homem de aço que caiu na Terra ainda bebê, vindo de Kripton, mal tinha se recuperado de sua exposição à kriptonita, e, com seus poderes restaurados, descobre o triste fim de seu amor platônico. Num rompante de desespero, começa a dar voltas cada vez mais rápidas em torno do planeta de forma a fazê-lo girar para trás e, por consequência, o tempo, até segundos antes do acidente e consegue evitar a morte da intrépida jornalista. O cinema veio abaixo em aplausos, gritos e assovios.
A cena da Terra girando em sentido anti-horário é a imagem que me vem à cabeça nesses dias em que a sensação é que o mundo está de fato, e não apenas na ficção, retrocedendo, resgatando discussões e medos que pareciam superados pela marcha da evolução humana. Estávamos enganados. O medo do diverso e de tudo que ameaça tirar do cômodo conforto está fazendo com que muita gente se pinte para a guerra em defesa de um modus videndi que acham o “certo”, mas mantinham-se silentes, em seus protegidos armários, talvez por não quererem ir contra a corrente que se entendia majoritária e/ou por não saberem da existência de outros tantos com as mesmas inquietações.
A internet e o formidável mundo da comunicação instantânea transformaram as redes sociais em tribunas livres (às vezes tribunais), num ambiente que sepultou definitivamente o perigo do pensamento único e do controle absoluto seja pelo Estado, Religião ou outra forma de dominação consentida que venha a surgir com a evolução inevitável. A aldeia global preconizada pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan, nos anos 60 do século passado, nunca foi tão real, assim como a consequência por ele prevista, ou seja, enquanto a imprensa teria destribalizado o mundo, a tecnologia iria retribalizar. Todos estão conectados com o mundo, porém com interação cada vez mais restrita às suas tribos, aos seus iguais.
É normal que as pessoas se sintam incomodadas e até constrangidas com certas posições de outras por elas admiradas, assim como certo estou que o inverso é verdadeiro. O dissenso é a essência da democracia. Dito isso, e respeitadas as opiniões dos que se alinham ao movimento conservador que vem ganhando terreno em todo o mundo, é preciso dizer que as pessoas têm o direito de agir e pensar de acordo com seus princípios e assim educar seus filhos. Extrapola desse direito os que querem impor sua visão do mundo aos outros, impedindo ou demonizando quem pensa diferente.
Os recentes casos das exposições sobre diversidade, em Porto Alegre, e o do artista nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo trouxeram à tona preconceitos, exageros e medos. É espantoso como a sexualidade alheia incomoda tanta gente. Mesmo onde não há nenhuma conotação de sexo, tem gente que consegue ver as mais terríveis perversões que devem existir só nas cabeças de quem as vê. No caso especifico do MASP, quem levou a menina a tocar os pés do artista nu foi a própria mãe, ela sim a responsável legal pela educação da menor e não cabendo a ninguém substituí-la nos estritos limites da lei, na medida em que não se configurou nenhuma vulnerabilidade. Ver pedofilia em tudo pode ser um distúrbio sério e que precisa ser tratado. O naturista que leva seus filhos a uma praia de nudismo está educando-os dentro de uma filosofia de vida e não cometendo um crime.
Pior é quando a autoridade pública investida na função pelo voto impõe à sociedade a sua visão de mundo em detrimento de um dos mais caros princípios constitucionais, que é a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, conforme o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Foi o que o prefeito do Rio, a mais cosmopolita das cidades brasileiras, desrespeitou ao censurar a exposição Queermuseu prevista para o MAR (Museu de Arte do Rio). Em infeliz blague, o prefeito, que é bispo da Igreja Universal, divulgou vídeo em que disse que a exposição poderia ir para o fundo do mar e nunca exposta no MAR. Não gostar, achar de mau gosto esta ou aquela manifestação artística, tudo bem, mas a opção é de quem tem capacidade de escolher o que vê. Para os menores, classificação etária é condição básica, como programas de televisão, cinema e teatro. No caso da exposição do MASP, havia classificação etária, conforme informou o membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, em entrevista (aqui).
Essa nostalgia do obscurantismo latente na sociedade tem se revelado nas relações sociais e, enquanto ficam restritas aos “costumes” limita-se a reações às mudanças de comportamento, especialmente nas questões de gênero e sexo. O sexo continua sendo o grande bicho-papão que cresceu e ficou mais “perigoso” agora que é possível discernir sexo e gênero. Gênero é o que consta no RG erroneamente como sexo, enquanto este tem relação com o desejo e nem sempre está focado no gênero oposto, ou nos dois ou em nenhum.
O que realmente preocupa não é quem e de que forma sente e realiza seu desejo, porque a receita é cuidar da própria sexualidade da forma que mais se aprouver, até mesmo se o prazer seja policiar a cama do outro. O que acende a luz amarela nessa onda de nostalgia do obscurantismo e a Nação mais poderosa do mundo eleger alguém que pensa como Donald Trump; é o nacionalismo radical em ascensão na Europa e as vivandeiras dos quartéis se assanharem com ideias de (re) intervenção militar no Brasil. Apenas três décadas nos separam daquele período de censura e tortura e já tem gente com saudade! Não aprendemos nada, com a história? E os mortos e desaparecidos nos porões do regime ou pelos guerrilheiros que a ele se opunham?
Nunca é de mais lembrar que o mundo está em evolução. Há menos de 200 anos os negros eram legalmente mercadorias no Brasil. As mulheres só conquistaram o direito de votar em 1932, mas continuaram parcialmente incapazes por mais 30 anos e só poderiam trabalhar fora de casa com autorização expressa do marido. A conquista do voto secreto, direto, periódico e universal é fruto de uma Constituição que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Portanto, nada contra um militar filiar-se a um partido político e disputar uma eleição como cidadão qualquer, mas que nunca mais se prevaleça das armas sob sua guarda para submeter a Nação e não protegê-la. E aos que, com razão, não suportam mais os desmandos dos civis no governo, lembrem-se que sob os militares os casos de corrupção também existiam, não vieram à tona porque nos cinco governos dos generais (1964-1985), a imprensa era amordaçada, o Judiciário acovardado e as policiais eram do regime e não do Estado.
Mais atual que nunca é a surrada frase do ex-primeiro ministro britânico, Sir Winston Churchill: “a democracia é a pior das formas de governo, excetuando-se as demais”.

DE VOLTA AO PASSADO


Publicado no Blog Opiniões(aqui) em 27/09/2017 

 Kennedy e Khrushchov evitaram a guerra em 1962 e em nada lembram Trump e Kim Jong-un

“É preciso dar um basta a essa maldita fabricação de armas. O mundo precisa fabricar é paz”.
Homilia de D. Hélder Câmara, na Missa dos Quilombos (disco gravado em 1982 por Milton Nascimento e os bispos D. Hélder Câmara e D. Pedro Casaldáliga).

Talvez desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, naqueles 13 dias que abalaram o mundo em outubro de 1962, o Planeta nunca tenha flertado tanto com o apocalipse como nestas últimas semanas. Diferente de meio século atrás, dois idiotas convictos têm o poder de apertar os botões e iniciar a guerra do fim do mundo. De um lado, o ditador Kim Jong-Un, terceiro de uma dinastia bélica, afronta o mundo civilizado com armas nucleares apontadas para o Japão e, garantem, com poder de fogo para atingir os Estados Unidos. Na outra ponta da insana disputa, o líder da nação mais poderosa da Terra, Donald Trump, com a sutileza de um elefante em casa de louças, tuíta ameaças de destruição total — “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte.
“É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos. Enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu”, declarou Trump em seu clube de golfe em Bedminster, Nova Jersey, onde passava férias há duas semanas. “Agora, Trump insultou a mim e ao meu país diante dos olhos do mundo e fez a mais feroz declaração de guerra da história, de que ele destruiria a República da Coreia do Norte”, completou Kim, retribuindo as ameaças na sequência. “Definitivamente, domarei com fogo esse americano senil mentalmente perturbado”, afirmou Kim Jong-un.
Em nada lembram os estadistas Jonh Kennedy e Nikita Khrushchov, que evitaram em 1962, a guerra numa delicada operação diplomática em que os instintos de sobrevivência dos dois líderes mundiais falaram mais alto. O filme “Treze Dias que Abalaram o Mundo”, de Roger Donalson (2000), retratam como esses dois homens evitaram o primeiro disparo porque sabiam quem depois de iniciada seria praticamente impossível impedir a destruição total.
Naquele cenário de guerra fria resumida às duas grandes potências que dividiram o mundo em dois ao final da Segunda Guerra (1939-1945), apenas elas, União Soviética e Estados Unidos eram potências nucleares. Atualmente o cenário é mais grave porque os conflitos são pulverizados por diversas áreas do Planeta e uma dezena de nações tem armas nucleares, incluindo a Coreia do Norte e outros países tão instáveis quanto, como Paquistão, Índia, além das potências econômicas, China, Reino Unido, França, Rússia, Israel e Estados Unidos. No Irã dos aiatolás há suspeitas não confirmadas, ainda.
Ao longo da história, as guerras entre os povos foram justificadas com argumentos econômicos e expansionistas em um mundo ainda em construção. Conquistadores — heróis-bandidos — movidos pela ambição de ampliar territórios e impor sua cultura, como Alexandre, Júlio César, Gengis Khan, Napoleão, Hitler ou Stálin estariam confinados aos livros de história com os ares pacifistas que respiramos a partir dos anos finais do século XX. Os acordos de não proliferação das armas nucleares e a desmobilização de arsenais atômicos na Ásia, Europa e mesmo nos Estados Unidos, autorizavam-nos a sonhar com um mundo futuramente livre da ameaça de destruição. Ledo engano.
Como a morte que espreita o homem desde o berço, o espectro da autodestruição paira sobre nossas cabeças. De novo estamos de volta ao passado!

sábado, 23 de setembro de 2017

POPULISMO FISCAL E RESPONSABILIDADE SOCIAL

Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 13/09/2017 e na edição impressa da Folha da Manhã (página 4) de domingo, 17/09/2017:


A era das vacas gordas chegou ao fim. Os poços que jorravam o ouro negro nas costas do Cabo de São Thomé estão maduros e despejam cada vez menos dinheiro nos cofres públicos e uma das revelações dessa nova realidade, sempre anunciada e nunca admitida, é que durante três décadas, a administração municipal descuidou-se totalmente da arrecadação chamada de própria, aquela resultante da atividade econômica local. A abundância de recursos externos era tanta, que os últimos governos praticamente tratavam como isentos os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, e essas receitas não significavam nem 5% da receita total do município.
O descuro levou praticamente à desativação da máquina arrecadatória. Basta olhar para a Secretaria Municipal de Fazenda hoje, que conta com uma dezena de fiscais, sendo todos ou quase todos, remanescentes de uma época em que concurso ainda não era exigência para ingresso no serviço público. Sem falar no jurássico sistema de controle de arrecadação…
Esse populismo fiscal que beneficiou empresários e proprietários de imóveis nos últimos anos, mal começou a ser enfrentado pelo atual governo e já surgem reações veementes, principalmente daqueles que mais se beneficiaram com a situação anterior. Como outros setores da sociedade, parte do empresariado local também foi contaminada pela dependência epidêmica dos royalties e, como outro qualquer vício, é preciso reconhecer a dificuldade de mudar de hábitos. Principalmente quando mudar representa aumentar custos/reduzir lucros.
É justificável que no país que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, ninguém goste de pagar imposto, porque tem, todos os dias, exemplos de desvio de finalidade em todos os níveis. Se fiscalizássemos mais o uso dos nossos impostos o resultado seria melhor do que simplesmente sonegar porque os governos gastam mal. Aliás, uma das teorias de formação do Estado, quanto os homens ainda eram nômades, ensina que certa tribo resolveu fixar-se numa área onde teria encontrado terras férteis e ali iniciado atividades agrícolas e, para manter essa sociedade agora não mais nômade, passou a cobrar tributo (pedágio) em troca da permissão para que outros nômades passassem por suas terras. O imposto, assim, teria nascido junto ou até mesmo antes do Estado primitivo.
De volta à Planície Goitacá, em época recente, o dinheiro dos royalties estava de tal forma impregnado na sociedade campista, que criou situações inexplicáveis, como por exemplo, a doação de dinheiro à Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) para promover as Feiras de Preços Especiais (Fepe). Nos anos de 2013, 2014 e 2015, a entidade lojista recebeu dos cofres municipais entre R$ 80 mil e R$ 50 mil por edição em que os participantes, juntos, faturaram em torno de R$ 5 milhões por evento. As informações oficiais foram registradas às épocas respectivas pelo Blog “Eu Penso Que…” (aqui e aqui).
Chegou a hora de retribuir. Com metade do orçamento que a máquina municipal movimentou em 2016 — cerca de R$ 3 bilhões contra R$ 1,5 bilhão em 2017 — o governo Rafael Diniz se mostra disposto a chamar à responsabilidade os setores que mais se beneficiaram do tempo das vacas gordas para que agora ajudem a enfrentar os tempos difíceis. O novo Código Tributário Municipal, fruto da proposta de Lei complementar 0133/2017, aliás, precisa ser debatido no contexto de reorganização do sistema de arrecadação local pós-royalties e sem esquecer as décadas de frouxidão fiscal dos anos de bonança. O fechamento de cerca de 700 pontos comerciais locais não cabe na discussão do novo Código Tributário porque é consequência da crise nacional e eventuais ameaças de demissões e encerramentos de atividades de outros estabelecimentos empobrecem o debate.
O caminho parece ser o do entendimento para que os valores das taxas e tributos sejam reajustados para níveis mais próximos da realidade e longe do populismo fiscal. Ao mesmo tempo, urge uma modernização da máquina de arrecadação, incluindo material humano qualificado e comprometido com a excelência da finalidade do serviço público.
Retribuir aqui não tem o sentido filantrópico e sim do exercício da responsabilidade social inerente à atividade econômica, conforme preceito da Constituição Federal e que se traduz, no dia-a-dia na colaboração ativa para a construção da Nação, não só na geração de empregos, como também, pelos impostos locais, garantir os serviços essenciais mais próximos do cidadão como iluminação pública, coleta de lixo, escolas, creches, serviços de saúde e a própria estabilidade social.
Ricardo André Vasconcelos

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

ROSINHA GASTOU R$ 15 MILHÕES POR ANO EM PUBLICIDADE: O TRIPLO DO GOVERNO RAFAEL DINIZ

   A turma que perdeu as eleições em Campos, no primeiro turno no ano passado, perdeu junto a memória e a vergonha. Garotinho e seus  amestrados divulgaram hoje a contratação, pelo governo Rafael Diniz de empresa de publicidade por R$ 5 milhões, por 12 meses. Na verdade, é um aditamento a um contrato do governo Rosinha e, concordo, inoportuno neste momento de crise, a menos que os recursos sejam utilizados para campanhas de interesse público. Como o contrato foi assinado dia 06 de setembro, faltando quatro meses para terminar o ano, isso significa um gasto real em torno de R$ 2 milhões neste 
   O que espanta é o cinismo dos derrotados. Até o ano passado, o governo Rosinha torrava R$ 15 milhões/ano com propaganda: Veja abaixo a publicação do aditamento de prorrogação de três contratos, de R$ 5 milhões cada, assinados no dia 22/08/2016  e divulgados neste Blog (aqui)



O contrato inicial é de 2009 (veja abaixo e aqui):


Abaixo o extrato do contrato publicado hoje no Diário Oficial da PMCG:



A PRAÇA DOS PODRES PODERES

Ministro do STF, Gilmar Mendes joga o Judiciário na vala comum da descrença nas instituições (Foto: Divulgação)


Artigo publicado no Blog Opiniões (aqui) em 30/08/2017
Enquanto no Congresso Nacional deputados e senadores correm para aprovar uma reforma eleitoral que lhes torne a reeleição menos impossível, no palácio à esquerda o presidente e sua dupla de mascates, Moreira e Padilha, põem à venda o que resta do Brasil antes da chegada inevitável da polícia. Na mesma bela Praça dos Três Poderes, do lado oposto, quem conspira contra a Pátria é um dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, o autointitulado “insuspeito” Gilmar Mendes.
Tanto na aparência quanto na essência, os três assuntos são um só e se integram num movimento para mudar o Brasil para que tudo fique exatamente do jeito que está. Por trás de cada uma dessas caras que representam a luta para conservar a velha política há centenas de milhares de interesses antes inconfessáveis e que hoje assumem às claras e com desfaçatez de fazer corar frade de pedra.
Do Congresso não espera outra iniciativa que não tenha por objetivo a autopreservação de seus integrantes. Ainda mais agora, com mais da metade deles dependente da sombra benfazeja do foro privilegiado para evitar o xilindró. A chamada “reforma política”, que não passa de um remendo eleitoral, precisa estar aprovada até a primeira semana de outubro para vigorar em 2018. A volta do financiamento privado, “distritão” e as coligações prostituídas por venda de tempo na propaganda na TV, garantem a “suruba para todo mundo”, como já defendeu o líder do governo Temer no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), em uma de suas deploráveis manifestações de desapreço  à cidadania. Aliás, por trás do decreto presidencial que entregou uma área na Amazônia do tamanho do Estado do Espírito Santo para exploração de minério estaria mais um interesse de Jucá, cuja filha Mariana é dona de empresa mineradora.
Do presidente Michel Temer não surpreende nada que seja imoral, inadequado ou abjeto. A conspiração que o levou ao poder é crime de Juizado de Pequenas Causas comparado aos cometidos no exercício do mandato e suas manobras para que a denúncia da Procuradoria-Geral da República não fosse autorizada pela Câmara. Mesmo assim, com 3% de apoio da população, age como se estadista fosse e tenta promover uma reforma do Estado sem precedentes, inclusive vendendo o patrimônio da Nação, construído com sacrifícios e impostos de todos durante décadas. Não se trata aqui da questão ideológica de Estado Mínimo ou Necessário, e sim da forma como se resolve vender, da Eletrobrás à Casa da Moeda, sem o mínimo debate com a sociedade. O açodamento justifica a suspeita.
Quem se julga insuspeito é Gilmar Mendes, o terceiro ministro mais antigo da mais alta Corte de Justiça do país e que preside também o Superior Tribunal Eleitoral (TSE). Se não bastassem os incontáveis encontros dominicais com o presidente Temer, seu “amigo de 30 anos”, Gilmar ganhou o campeonato de rejeição nacional nas últimas semanas ao tirar da cadeia a máfia das empresas de ônibus no Rio de Janeiro. A filha do capo Jacob Barata Filho é casada com um sobrinho da mulher de Gilmar (Guiomar). A tia e o marido ministro foram padrinhos. Mais: Tia Guiomar trabalha no escritório de advocacia que defende os Barata, mesmo assim, o ministro não se sente impedido e nem suspeito de atuar no caso. Fez o mesmo com o ex-megaempresário Eike Batista, defendido pelo mesmo escritório e libertado da prisão também por Gilmar.
O que assusta não é a desfaçatez de gente como Romero Jucá, Michel Temer ou Gilmar Mendes. Eles sempre existiram, mas nunca com a desenvoltura de agora. Nelson Rodrigues se surpreendeu quando os idiotas perderam a modéstia e custa imaginar como o genial cronista classificaria os imodestos que hoje habitam a Praça dos Três Poderes.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

MAIS DO MESMO NO PÓS-TEMER

Com os chefes tucanos e Lula fora do páreo e a eleição de 2018 pode ter dois jovens candidatos à Presidência: João Dória Júnior e Fernando Haddad. Um Emmanuel Macron brasileiro?


Artigo publicado em no Blog Opiniões (aqui):

O Brasil continua funcionando pelo impulso da gravidade. Não aquela que resulta do  momento político e econômico por que passa o país, mas a outra, descoberta por acaso, quando, reza a lenda, uma maçã caiu sobre a genial cabeça do cientista inglês Isaac Newton (1643-1727). Tendo os poderes Judiciário e Legislativo encerrado esta semana seu luxuoso e indefensável recesso de meio de ano e o Executivo comprando deputados feito bananas para manter na chefia do Governo um presidente investigado por corrupção, o país dá perigosos sinais de que não prescinde das instituições. Parece aquele empregado que de tantas ausências do trabalho desperta no patrão a certeza de sua inutilidade.
Nada mais claro e repito, perigoso, porque o agravamento da crise é tão previsível quanto o nascer do dia seguinte. O congelamento das despesas pelas próximas duas décadas (emenda constitucional 95/2016), já é visível no sucateamento das universidades; inexistência de recursos para pesquisas; agravamento da violência a partir do contingenciamento de dinheiro para as polícias e principalmente a condenação por inanição dos programas sociais. Hospitais sem condições mínimas de atendimento nem são mais novidade. Até programas de reconhecimento mundial, como o de distribuição de medicamentos para pessoas com Aids já está afetado e, em muitos postos de distribuição se constata falta de alguns antirretrovirais.
Entre o Estado paquidérmico e o Estado mínimo, a escolha no Brasil tem sido pelo Estado ineficaz, corrupto e incapaz de retribuir suficientemente aos cidadãos que pagam uma das maiores cargas tributárias do Planeta.
Fruto de uma conspiração para impor uma agenda econômica derrotada quatro vezes nas urnas, Michel Temer segue equilibrando-se na corda bamba utilizando sua habilidade mais conhecida: barganhar com baixo clero do Congresso Nacional, onde, entre os seus, exerce liderança ímpar, e pendurado em residual apoio do etéreo “mercado”. Chega a ser bizarro ver o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (o mesmo que foi presidente do Banco Central nos oito anos do governo Lula), anunciar que a equipe econômica será mantida num eventual governo Rodrigo Maia, Ou seja, Temer é mesmo um mero detalhe e não passa disso. Com rejeição popular beirando à unanimidade, Temer deve conseguir escapar da primeira denúncia da Procuradoria Geral da República, que deverá ser arquivada esta semana pela Câmara dos Deputados. Mas há promessas de outras e o erário não teria fundos suficientes para alimentar a fidelidade dos deputados.
Falando em Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem sido elegante e republicano o comportamento do presidente da Câmara dos Deputados. Primeiro na linha sucessória a assumir o governo em caso de afastamento do presidente, o filho do atual vereador e ex-deputado constituinte pelo PDT brizolista,  César Maia, tem o tempo como seu aliado. Investigado na Lava Jato, mas longe ainda de uma denúncia, pode assumir a Presidência da República aos 47 anos e, sua atuação nos seis meses de mandato, pode determinar seu futuro político. Para assumir o governo, a Câmara precisa dar 342 votos para que seja aceita a denúncia do procurador Geral da República para que o STF processe Michel Temer por corrupção.
A favor de Maia tem o fato de que, ao contrário de Temer, a quem jura fidelidade como aliado e não como chefe do poder legislativo, não precisa conspirar para ganhar a cadeira presidencial. Basta esperar sentado. O problema é que, se assumir, Maia vai ter que convocar eleição indireta seis meses depois de assumir e, como não lhe interessa ser candidato a terminar o mandato iniciado por Dilma, o Brasil deve chegar a 2018 com quatro presidentes diferentes em quatro anos.
Quer prova mais robusta de que este país está cada vez mais funcionando por gravidade?
E por falar em 2018, o cenário hoje — por pura intuição — é de uma eleição tipicamente paulistana. Com Lula condenado em primeira instância e dificilmente não confirmada nas seguintes,  a disputa presidencial pode ficar entre o atual prefeito de São Paulo, João Dória Júnior e o ex-prefeito da mesma capital, Fernando Haddad. Uma versão “jovem” do velho jogo PSDB X PT, com ambos tentando carona na eleição do jovem presidente francês, Emmanuel Macron, de 40 anos. Os outros pré-candidatos devem fazer apenas figuração.