domingo, 25 de junho de 2017

ANFITEATRO DO ALBERTO SAMPAIO TERÁ NOME DE KAPI

Da coluna Ponto Final, na Folha da Manhã deste domingo, 25/06/2017:



A propósito,abaixo, artigo publicado no Blog Opiniões (aqui),na Quarta-Feira de Cinzas, 01/03/2017.

O Tambor da Quarta-Feira de Cinzas



David Bennet no filme “O Tambor”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1980. O pequeno Oskar decide parar de crescer ao descobrir uma relação extraconjugal da mãe. Com seu tambor inseparável, acompanha e interage com a ascensão do nazismo (Reprodução)


Era uma Quarta-Feira de Cinzas como hoje num ano qualquer do século passado. A vida em Campos ainda girava em torno do Centro, onde ficava o ponto final dos ônibus que se dirigiam aos bairros. Foi ali, vindo da Rua Alberto Torres, que avistei uma figura suada, cabelos encaracolados bem rentes ao couro cabeludo, trajando alguns restos de pouca fantasia e batendo um solitário tambor como se recusasse a aceitar que a festa da inversão acabara e mundo já tinha voltado à mesmice. Só anos depois conheci Oskar Matzerath — personagem de Günter Grass (1927-2015) —, um menino que decidiu parar de crescer, e seu inseparável tambor de lata. Ali, perto do Chafariz belga na Praça das Quatro Jornadas, quem roubou minha atenção adolescente não foi o menino de “O Tambor”, e sim o jovem ator Kapi, que mais tarde descobri Antônio Roberto de Góis Cavalcanti, de quem me tornei meio-amigo e admirador por inteiro.
Kapi era movido a um inconformismo produtivo que fez dele pioneiro. Um desbravador tão desvairado quanto genial. Antes de vê-lo com o tambor espichando o Carnaval, já tinha apreciado uma rara participação dele como ator. Foi em “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes e direção de Orávio de Campos. Kapi fazia o papel do repórter que cobria a saga de Zé do Burro (Gildo Henrique) tentando entrar, com sua cruz de madeira, na igreja de Santa Bárbara para pagar promessa pelo restabelecimento da saúde do seu burro.
Foi Kapi quem inaugurou o anfiteatro do Parque Alberto Sampaio, concebendo e dirigindo o espetáculo “Arena Canta Zumbi”, no governo Zezé Barbosa. É dele a direção do memorável espetáculo “No Natal a Gente Vem te Buscar”, de Naum Alves de Souza, que inaugurou, também, o Lapa Cine Show,  um espaço misto de teatro e shows localizado ao lado do Corpo de Bombeiros, em parte do terreno onde hoje está a sede da Igreja Universal. Foi um dos retumbantes fracassos de Kapi, que como outro mestre genial, Darcy Ribeiro, sempre preferiu ficar ao lado dos vencidos. Kapi sonhava grande e muito, porque sonhar pequeno é para os medíocres. De óbvio e ordinário o mundo transborda.
Burocrata, nunca foi. No primeiro governo Garotinho (1989-1992) foi diretor de Turismo e, a despeito da pouca atenção que demos ao setor, inclusive na minha gestão à frente da Secretaria, (que era de Comunicação Social e Turismo), sempre trazia seus projetos e ideias. O que foi feito na época, como a criação do city tour, renovação dos cartões postais da cidade e o aproveitamento da estrutura turística que existia na Lagoa de Cima, é mérito dele, sem falar nas primeiras iniciativas do setor na praia do Farol de São Thomé. Na transição do governo Garotinho para o de Sergio Mendes (1992-1996), sugeri a transferência do Turismo para a Companhia de Desenvolvimento, cujo presidente, Murillo Dieguez, era e é tão criativo e operacionalmente eficiente quanto Kapi. A parceria da dupla deu bons resultados, principalmente a instalação de um curso superior de tecnólogo de turismo na cidade. É mérito seu, também, o resgate dos Desfiles das Escolas, Blocos e Bois Pintadinhos a partir do Carnaval de 1990, quando o impossível aconteceu: regendo aquela bagunça histórica, Kapi conseguiu que as agremiações cumprissem o horário. Montado na garupa da motocicleta de um guarda-costas às avessas, percorria a pista como um general passando a tropa em vistoria. Inesquecível!
Como diretor de teatro chegava a ser irascível. Talvez por sentir-se enquadrado demais num palco italiano, sempre procurou a forma de arena (o público em volta do palco) e espaços alternativos, como a antiga mansão dos Aquino, na Beira-Valão, onde montou e dirigiu a peça Constantine, com um elenco de socialites. Com o grupo da Faculdade de Direito, montou “O Inspetor Geral”, do dramaturgo russo Nicolai Gogol, para o Festival Universitário de 1986. O grupo de alunos, de onde sairia um juiz e dois promotores de justiça, era indisciplinado e o diretor, ao desistir de ver decorado o texto de linguagem rebuscada, radicalizou: optou por uma linha caipira e transformou o palco do Teatro de Bolso num imenso galinheiro e para isso retirou várias fileiras de cadeiras transformando a plateia numa impensável arena. Depois do festival o TB teve que ser reformado.
Outra ousadia foi a encenação do ”Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meirelles, a céu aberto, na inauguração do Memorial de Tiradentes, em frente ao antigo Hotel Flávio, num 21 de abril dos anos 90. O espetáculo também era apresentado no Convento da Lapa. Levar sua arte a espaços inusitados era o desafio de Kapi. E o desafio não era apenas técnico, tinha uma mensagem política clara, seja para os dirigentes ou para a sociedade conformada.  Foi assim que num dos últimos festivais universitários de teatro que a municipalidade promoveu, creio em 1995 ou 1996, resolveu chamar atenção da cidade para as obras de construção do novo Trianon, que andavam lentamente ao sabor dos parcos recursos, e levou seu grupo da Faculdade de Odontologia para encenar, sob o céu de estrelas de um teatro sem teto e assentos de concreto o clássico “Gota d’Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes.  Com cenário de andaimes em três planos, atores afiadíssimos, texto e música geniais arrebatou a maioria dos prêmios.
Entre peças teatrais, festivais, incursões empresariais frustradas — foi dono do tradicional Bar Vermelho, que levou à falência ao travesti-lo de Clean — Kapi produziu poemas de forte conteúdo social. O meu preferido é o que diz “Usina é usura…/ um gosto (doce-amargo)/ de uns caldos escorrendo,/ ora nas moendas ora nos moídos…”. Como filho da assistente social de usina, Severina Cavalcanti, conhecia de perto aquele “remedar de vida” e, de quando em vez, realizava algum projeto voltado para os trabalhadores do corte de cana.
Para marcar o Dia Mundial de Combate à AIDS, primeiro de dezembro, chamei Kapi com uma ideia que só ele poderia comprar, se apaixonar por ela e executar com eficiência. Anos antes, tinha visto pela TV, que vestiram um preservativo gigante no famoso obelisco de Buenos Aires, para chamar atenção das pessoas para a epidemia já alertada na década anterior. Como temos um semelhante na Avenida XV de Novembro, erigido para marcar as obras de saneamento executadas na cidade na primeira década do século passado, porque fazer dele um falo monumental e cobri-lo com uma camisinha gigante?
— Sensacional. Festejou Kapi, já pensando no tipo de tecido, cores e logística. Sugeriu pedir apoio do Corpo de Bombeiros e a adesão da incansável Fátima Castro, fundadora e presidente da Casa Irmãos da Solidariedade e batizamos o projeto internamente de “operação pinto desconhecido”. Na madrugada de primeiro de dezembro, um caminhão-escada magirus do Corpo de Bombeiros parou o trânsito nas duas pistas e, em menos de uma hora, um preservativo bege de 22 metros por 3 metros de diâmetro cobria o obelisco. A cidade careta acordou com um pinto gigante e protegido bem no Centro da cidade.
Nem nas horas mais difíceis, de dívidas, falta de dinheiro, de teto e depois, com a saúde debilitada pela doença, nunca, nunca Kapi deixou de ter projetos culturais em mente ou em curso. Nunca deixou de sonhar acordado. Mesmo entre as internações para tratar das doenças oportunistas causadas pelo HIV, falava com entusiasmo incomum de peças que queria montar. Num de nossos últimos encontros discorreu em detalhes o musical que estava escrevendo sobre “O Coronel e o Lobisomem”, baseado no livro de José Cândido de Carvalho, Zombeteiro, dizia que o médico o havia proibido até de pensar nisso. “E eu vou respeitar?”
— Claro que não. Se não eu não seria Kapi.
Como o Oskar, vivido no cinema por David Bennet (1979 – direção de Volker Schlöndorff), que recusou a crescer a partir dos três anos de idade, Kapi nunca se resignou com as coisas como se elas fossem do jeito que são ou aparentam ser. Ele sempre quis, fez e foi mais. E hoje, nesta Quarta-Feira de Cinzas, deve estar batendo seu tambor em algum lugar, porque para ele, o Carnaval não acabou ontem. Não vai acabar nunca.
Kapi, comemorando aniversário na quadra da sua escola do coração, a Mocidade Louca (Foto: Ricardo André Vasconcelos)

Ricardo André Vasconcelos

TEMER E A LEI DA SOBREVIVÊNCIA


Principal aliado de Temer no PSDB, Aécio foi afastado do mandato por causa da deleção do mesmo Joesley Batista que delatou o presidente


Publicado no Blog Opiniões (aqui), em 21/06/2017 e na edição impressa da Folha de Manhã desye domingo:


    Os tucanos, que nasceram de uma costela do PMDB ou, sendo mais justo, de uma depuração do PMDB de José Sarney e assemelhados, têm hoje em suas mãos o destino do governo, mas com papel diferente do que tiveram quando governaram o país de 1995 a 2002. Agora não são protagonistas, mas fiadores de uma administração que caminha numa corda bamba. Apesar de ter seu principal líder (Aécio Neves) pilhado com a boca na botija e na constrangedora condição de “senador afastado do mandato por decisão judicial”, o PSDB ainda empresta alguma credibilidade ao que resta do governo Temer, ao lado, é claro do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, preposto que é do “grande capital” dentro do governo. Aliás, o foi também nos oito anos da administração petista como presidente do Banco Central.
      São o PSDB e a economia aparentemente sob controle, as frágeis vigas de sustentação de Temer na Presidência da República. Os deputados do baixo clero que lhe garantem os votos necessários para barrar a iminente denúncia da Procuradoria-Geral da República não são suficientes para aprovar as reformas que os patrões de Meirelles exigem. Sendo assim, o descarte de um presidente que se tornou, além de incômodo, incapaz de produzir os frutos que os patrocinadores esperam, é destino líquido e certo.
    Revendo antecedentes de crises políticas anteriores, é possível constatar, na atual, a ausência do segmento da sociedade que as protagonizou, como causa ou solução (ou ambas) — os militares —, e a presença de outro — o Poder Judiciário. Tanto em 1945, no golpe que derrubou Getúlio Vargas depois de 15 anos no poder; em 1954, com o suicídio do caudilho gaúcho que quatro anos antes voltara ao poder pelo voto direto, quanto em 1964, as Formas Armadas desempenharam papel fundamental, seja para o bem ou para o mal, dependendo do gosto de quem analisa. Já neste 2017, quase três décadas de vigência da mais democrática de nossas oito constituições, é o Poder Judiciário que tem, pela vulnerabilidade evidente dos outros dois poderes, a oportunidade de exercer o papel literal de juiz para arbitrar um caminho.
   Há duas semanas, no entanto, o TSE, se apequenou e deu sobrevida ao governo moribundo ao absolver a chapa Dilma-Temer. No Supremo Tribunal Federal a iminente denúncia da PGR contra Temer somente vira ação penal (e o imediato afastamento do presidente por 180 dias) com a concordância de 342 deputados federais, ou seja, basta que 172 não concordem para a denúncia ser arquivada. Portanto, a solução para a crise há de ser encontrada dentro do regime democrático e no âmbito da mais natural das leis, a da sobrevivência. A pouco mais de um ano das eleições de 2018, deputados e senadores em busca da reeleição e do abrigo do foro privilegiado, hão de achar um caminho nem que sejam apenas compelidos pelo instinto da sobrevivência. A começar pelos tucanos, que são a opção natural na próxima disputa presidencial e precisam, por isso mesmo, se descolar da figura de Temer, a quem se atribui a cada dia mais atos de corrupção.
   Em 1961, é bom que se lembre, foi o Parlamento quem resolveu a crise aberta com a renúncia de Jânio. O vice, João Goulart, estava na China e os militares não admitiam sua posse como presidente da República e o Congresso Nacional em 48 horas aprovou mudança na forma de governo e adotou o Parlamentarismo. Durou pouco, mas adiou o golpe militar por alguns meses. O atual Congresso, com grande parte de seus membros de quase todos os partidos investigados nas mesmas falcatruas que envolvem o atual e todos os ex-presidentes da República vivos, tem legitimidade para pouca coisa ou quase nada.
    E não é só: além do problema Temer e outras centenas de picaretas envolvidos em corrupção, o país ainda não decidiu como quer financiar a democracia. A doação de pessoas jurídicas foi proibida e as regras das eleições de 2018 precisam estar aprovadas um ano antes, ou seja, até o próximo 07 de outubro. Mas aí é outro assunto…